quarta-feira, 16 de março de 2011

Uma Noite em Saturnália.

          Já era uma hora da madrugada quando resolvi ir me aventurar pela cidade. Peguei minha moto e saí de bar em bar, experimentando toda sorte de prazeres.
          Misturar bebidas não é uma boa ideia, e em menos de duas horas eu já estava completamente bêbado, não lembrava nem o nome de minha própria mãe. A cada copo de whisky eu ficava mais lascivo. Decidi então ir ao novo bordel-cassino da cidade, “Saturnália, o festival dos prazeres”.
          Para fechar a conta no bar onde eu estava pedi a saideira, uma dose de tequila. Paguei por tudo e virei o copo, de uma vez só, arremessando-o para trás após beber todo o seu conteúdo. Já ia saindo quando percebi que uma briga havia começado, para minha sorte eu já estava indo embora.
          Fui caminhando, cambaleando na verdade, e cantarolando músicas que ouvia quando criança, em direção à minha moto. Coloquei o capacete, ao menos isso lembrei, e subi na moto. Estava decidido a ir ao bordel-casino Saturnália.
          Pessoas na situação em que eu me encontrava não devem dirigir, um acidente seria inevitável. Em poucos minutos após sair do bar, bati de frente com um carro grande, a última coisa que me lembro de ter visto antes de apagar foi aquele carro grande, com luzes vermelhas ofuscantes e uma sirene estridente, perder o controle.
          O mais estranho foi, que após desmaiar, meio que instantaneamente após (pelo menos foi isso que me pareceu), acordei em uma sala, com paredes vermelhas. Havia mais três pessoas naquela sala, comecei a pensar que tudo não havia passado de um sonho. Examinei a sala com mais atenção e percebi que os três homens estavam lá sentados à mesa, jogando poker, um deles era o Croupier, e atrás dele havia um grande relógio de pêndulo parado às três horas.
          - Vejam quem acordou. – Disse o Croupier. – Estávamos esperando-lhe para começarmos o jogo.
          -Que jogo? –Eu perguntei. – Quem são vocês? Onde estamos?
          - Calma, rapaz, sente-se aqui conosco. Você está em Saturnália.
           - Eu não me lembro de ter chegado a Saturanália.
          - Claro que não se lembra, tivemos que lhe aplicar glicose quando você chegou aqui. – Disse o Croupier. – Mas fique tranqüilo, apenas sente-se e divirta-se, afinal você está em Saturnália.
          Fiquei cabreiro com aquela situação, porém eu tinha consciência de que exagerei na bebida, e poderia haver a possibilidade de eu ter chegado a Saturnália e não me lembrar disso.
          Peguei minha carteira e vi que nada lhe faltava, comprei algumas fichas e me sentei à mesa. Já que estava ali iria pelo menos aproveitar a ocasião.
          Comecei a estudar os outros jogadores, eles eram bem distintos um do outro. Um deles era um motoqueiro bem estereotipado, jaqueta de couro, camiseta do Motorhead, bandana, etc. O outro parecia ser um sujeito mais normal, porém uma única coisa muito lhe chamava atenção, o uniforme de paramédico.
          Conforme as mãos iam se desenrolando, o Croupier começava a ganhar mais intimidade comigo e com os outros jogadores. Aos poucos ele ia contando histórias sobre nossas vidas, o mais impressionante é que ele realmente conhecia algo sobre nós. Era como se nos conhecesse.
          - Esta última história que contarei sobre você pode deixá-los assustados e confusos, porém contarei assim mesmo. –Disse o Croupier apontando para o motoqueiro. – A madrugada estava normal para você, beber e jogar sinuca com seus amigos no bar de sempre era sagrado. Porém vocês não contavam com a chegada de um homem, que nunca havia ido lá antes, ele parecia ser um cara comum, porém estava exagerando na bebida. Talvez o seu maior erro tenha sido não prestar atenção naquele sujeito, que perdia cada vez mais o controle a cada copo de whiskey. Você continuou jogando sua partida de sinuca até ver um copo de vidro voando, e o virar-se para ver quem o havia arremessado, sentiu uma forte pancada na nuca. Diga-me se eu estiver mentindo, mas a última coisa que você lembra ter visto, antes de acordar nesta sala, foi um cara enfiando uma faca no seu estômago.
          O semblante do motoqueiro mudou drasticamente, na mesma hora ele ficou em silêncio, cabisbaixo, estava nitidamente confuso, até levantou a blusa em busca de uma marca de facada.
          O jogo continuava, porém aquelas palavras haviam desconcentrado o motoqueiro, e concentração é essencial em uma partida de poker. Em poucos minutos ele perdeu todas as suas fichas, e teve que abandonar a sala vermelha.
          Virando-se desta vez para o paramédico, o Croupier disse:
          - E você, meu rapaz. Quem diria que uma madrugada tranqüila de trabalho pudesse ter sido tão desastrosa? Digo isso, pois seu trabalho não costuma envolver seus acidentes, não é mesmo? Antes você tivesse realmente pedido para outro (como você pensou em pedir) ir atender aquela última ocorrência: “Briga em um bar, homem branco, trinta e poucos anos, ferimento à faca”.  Mas era o seu trabalho ir até lá socorrê-lo, o trabalho que tanto lhe orgulha. Ligou a sirene e saiu com sua ambulância pelas ruas da cidade, a caminha do tal local da ocorrência. Você só não esperava que um motorista bêbado batesse de frente com sua ambulância, fazendo com que você perdesse o controle da mesma e se chocasse de frente com um poste. E depois de tudo isso aqui está você, sem entender muito bem o que ocorreu. E quem pagou por tudo isso foi aquele pobre homem que havia sido esfaqueado, que morreu por falta de socorro.
          A culpa ia corroendo o paramédico, por mais que a culpa não fosse dele, mas aquelas palavras do Croupier foram muito fortes. Aos poucos ele ia tendo o mesmo fim do motoqueiro, a perda de todas as fichas, e teve que sair da sala vermelha.
          Eu já estava juntando minhas fichas e me levantando para sair da sala quando o Croupier disse:
          - Aonde você pensa que vai?
          -Trocar as fichas que eu ganhei por dinheiro e ir para casa.
         -Ha! Ha! Ha! Onde você pensa que está? – Perguntou o Croupier, rindo muito.
         -Ora “onde”, em Saturnália, foi você mesmo quem disse.
         O Croupier pegou o baralho e começou a embaralhar as cartas enquanto dizia:
         - Deixe que eu lhe conte uma história. Existem certas ocasiões em que a alma de uma pessoa deixa seu corpo, e fica presa entre a Terra e o Céu, ou Inferno...
         - Do que diabos você está falado? - Eu interrompi.
         -Deixe-me terminar. Como eu ia dizendo, quando isto acontece, geralmente, eu, Lúcifer, as levo para um lugar e tento-as. Este lugar é conhecido por vocês, humanos, como Inferno.
         Comecei a achar que aquele sujeito era doido, só podia ser, o cara achava que era o diabo e que estava no inferno. Levantei-me e fui em direção a porta, nem mesmo peguei as fichas que eu havia ganhado, apenas saí. Para meu espanto, ao abrir a porta e por ela passar, havia novamente entrado na sala, da qual eu acabara de sair; parecia não haver um modo de sair de lá.
         - Agora você irá me ouvir? – Perguntou o Croupier sorrindo.
         Sentei-me novamente à mesa, mas desta vez, bem amedrontado.
        - Agora estamos nos entendendo. Pois bem, dizia eu que uma alma pode sair de seu corpo, e isto acontece mais facilmente quando a pessoa está morrendo, para ser sincero com você, neste exato momento duas pessoas já morreram e você está sendo reanimado em um hospital, ou pelo menos estão tentando lhe reanimar, tudo por culpa de seu ato totalmente irresponsável.
         Após ouvir isso, as coisas foram começando a se encaixar; o copo de vidro voando, a briga no bar, o carro grande com sirene... Era tudo culpa minha. Estava perplexo.
         Ao terminar de embaralhar as cartas, o Croupier falou:
         - Bem, eis a última mão, o real motivo de eu ter lhe trazido aqui. Apenas eu e você. Se você ganhar, deixarei que volte para seu corpo, se tiver sorte ainda poderá viver por muito tempo. Mas se você perder... Bem, se você perder sua alma será minha, sendo assim, não morrerá hoje, voltará para o seu corpo, continuará normalmente sua vida e quando morrer virá de volta para cá, o Inferno.
         Estava tão desanimado com o que eu acabara de ter feito que nem mesmo dei importância para tal situação, já não tinha mais nada para perder. Deixei que o jogo começasse. A partida foi se desenrolando, floop, turn, e por fim, o river, porém antes que ele fosse aberto na mesa, acordei em um leito de hospital, todo enfaixado, deitado de frente para um grande relógio de pêndulo que marcava às três horas.
           Foi tudo um sonho, pensava eu, ou pelo menos desejava que tivesse sido, pois a dúvida sobre quem havia vencido a última mão corroia minha alma... Literalmente.

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