quarta-feira, 16 de março de 2011

A Caneta do Diabo.

                 Chovia muito naquela noite, e ela estava realmente fria. Fui até a cozinha tentar preparar algo quente para comer, mas tentar mesmo, pois nunca fui um bom cozinheiro.
                 Após acender o fogão, a eletricidade da casa acabou, e olhando pela janela vi que em toda a cidade também. Deve ter sido por causa da chuva, eu pensei. Pra minha sorte eu tinha lanternas, algumas velas e um velho radinho à pilhas.
                 Desisti de fazer algo para comer e me contentei com um chá quente. Peguei minha xícara e fui até a varanda, para a parte coberta, é claro. Passei alguns minutos lá admirando a total escuridão que estava a cidade. Liguei meu radinho e ouvi notícias não muito boas, não havia previsão de quando a eletricidade voltaria, sem falar que apenas minha cidade estava daquele jeito.
               Enquanto admirava o apagão senti um enorme desejo de escrever, para um escritor não tão bem sucedido quanto eu, uma inspiração daquelas não poderia ser desperdiçada. Fui para meu escritório com uma ânsia de escrever tão grande que não lembrava que o computador precisava de eletricidade para ligar.
               O desejo de escrever me consumia, corri atrás de papel e caneta, mas a maldita era digital havia se encarregado de fazer todas as canetas da minha casa sumirem. Porém papel havia aos montes, para poder usar a minha impressora. Maldita era digital.
               Eu daria qualquer coisa por uma caneta naquele momento, aquela inspiração toda poderia nunca mais voltar, sem falar que poderia ser a salvação da minha carreira. Sai então em uma desesperada busca por lápis, giz, carvão, qualquer coisa que escrevesse, mas não encontrava nada.
               Foi então que ouvi uma voz dentro de minha cabeça, “eu posso te ajudar, basta você me convidar para entrar.”
               Estava tão louco para escrever que aquilo não me parecia loucura. Fui até a porta e a abri, olhando para o corredor escuro e vazio eu disse: - Pode entrar, sinta-se em casa.
               Mal acabei de falar e uma estranha e gélida brisa atravessou o meu corpo, me dando sensações estranhas de baixo a cima da minha espinha. Fechei a porta do meu apartamento e quando virei-me para a sala vi o que parecia ser um homem, sentado na minha poltrona.
               Apontei minha lanterna para ele e o vi muito bem acomodado, com um charuto em uma das mãos e um copo, com o que parecia ser whiskey, na outra. O tal homem olhou fixamente para os meus olhos e me mandou sentar, dizia ele que queria ter uma conversa comigo.
            Ao sentar-me fiquei pensando quem seria aquele homem, o que ele queria e como ele entrou aqui. Já estava começando a ficar nervoso,  e sem ele perceber fui tirando o celular do bolso, para tentar pedir socorro.
            O estranho se levantou e falou:
- Não se preocupe, meu jovem, pode guardar o celular, eu não te farei mal. Se fosse fazer, já teria feito. Ah, respondendo suas perguntas, sou aquele que os humanos chamam de Diabo, embora não goste muito desse nome, e você me viu entrar, ou pelo menos sentiu.
            Comecei a ficar mais nervoso, parecia que aquele homem lia meus pensamentos, sem contar que ele deveria ser louco. “Sou o Diabo”?! HAHA! Só sendo mesmo! -Eu pensei.
            –  Meu jovem, eu não sou louco, até aceito sua descrença, mas vou te mostrar quem eu realmente sou, o Diabo. – Disse ele. – Eis aqui o que você tanto desejava, uma caneta.
            Virando-me para ele, nitidamente confuso, eu perguntei:
           – Como você sabe que eu preciso de uma caneta?
           – Esse é o meu trabalho, meu jovem, saber o que os humanos mais desejam e entregar-lhes. Deixarei a caneta aqui com você, caso você a use, voltarei depois para pegar algumas coisinhas. – Respondeu o Diabo.
           Após dizer isso, ele sumiu, e as luzes de toda a cidade voltaram. Eu continuava inspirado, e não me sentia estranho com o que aconteceu. Como a eletricidade voltou, fui até meu escritório e liguei meu computador para começar a escrever, mas senti algo estranho, senti como se a inspiração tivesse acabado. Levantei-me e fui até a cozinha preparar um café. Ao passar por perto da caneta que o “Diabo” havia me dado, senti uma enorme vontade de escrever, era como se ela me desse inspiração. Peguei então uma resma de papel e comecei a escrever com aquela caneta.
         Comecei com um conto sobre um jovem escritor que havia recebido do Diabo uma caneta enfeitiçada, para que ele tivesse sucesso no que escrevesse. Continuei, continuei e não me dei conta de que aquele conto era sobre mim, aquele jovem escritor da história era eu.
          Passei dois dias seguidos escrevendo, mas meu corpo parecia ter envelhecido uns vinte anos ou mais. Apenas continuei a escrever, aquele jovem escritor, o meu personagem, era tão bem sucedido que eu não queria parar de escrever sobre ele. Livros publicados, prêmios, etc. Ele era o melhor escritor de todos os tempos. Porém, quanto mais eu escrevia sobre aquele jovem mais eu percebia o quanto ele era solitário, e mais solitário eu me tornava.
          Não conseguia parar de escrever, continuei, continuei, e cada vez mais meu corpo envelhecia. À mesma taxa que o meu personagem envelhecia na história que eu estava escrevendo.     
          Sem querer eu estava vivendo em um mundo que eu mesmo criei, mas ao mesmo tempo, eu não vivia.
         Quando finalmente consegui parar de escrever, fui tomar um ar, e ao passar pelo corredor do meu apartamento, vi pendurado na parede os prêmios que o meu personagem ganhou na história, e na mesa de centro da minha sala de estar, os livros que ele publicara. Aquele personagem conseguiu tudo que eu sempre quis. Ou teria sido eu mesmo quem conseguiu tais coisas?
        Eu estava ficando com cada vez mais dúvidas, e quanto mais os dias passavam mais eu escrevia. O que começou como um simples conto havia se tornado um livro biográfico. Ou seria auto-biográfico?
        Apenas continuei escrevendo, a medida que escrevia, o meu personagem se aproximava cada vez mais da sua morte. Foi então, que no momento da narrativa final, a morte do jovem escritor da minha história, a tinta da caneta acabou.
        Fiquei possuído pela ira. Gritava pelo Diabo para que ele me trouxesse outra caneta. Minha obra-prima teria que ter um final.
        Já estava ficando sem voz, e nada do Diabo aparecer. Percebi então que a caneta era recarregável, comecei a procurar desesperadamente tinta por toda a minha casa, mas nada de encontrar.
        No ápice do meu desespero, peguei uma faca na cozinha e cortei um dos meus pulsos, enchi a caneta com o meu próprio sangue e continuei a escrever.
        Enquanto escrevia eu ia perdendo sangue, e na medida em que narrava a morte do meu personagem, eu também morria.
        Mas enfim, havia conseguido o final perfeito que tanto desejei em toda a minha carreira de escritor. Porém, aquele final perfeito, também foi o meu.
           
             
               

Nenhum comentário:

Postar um comentário