Tudo estava normal na minha pacata vida, eu tinha uma linda esposa, um bom emprego, uma bela casa, tudo o que um homem sempre almeja ter.
Acordava sempre mais cedo que minha mulher, preparava o café da manhã e em seguida checava meus emails, só depois acordava minha esposa para comermos juntos.
Porém, em um belo dia, seguindo minha rotina diária, acordei mais cedo, preparei o café e fui checar meus emails, mas meu notebook estava descarregado, peguei então o de minha esposa, ela não iria se importar, eu pensei. Ao abri-lo vi uma mensagem na tela: ”Você deseja apagar esta mensagem?”
Fiquei bastante curioso, mas sabia que olhar tal mensagem seria errado e inapropriado. Porém lembrei-me que na noite anterior, ao chegar em casa, vi minha mulher lendo algo em seu notebook, e quando ela me viu aproximando-se, deu um jeito de fechar tudo bem rápido. A curiosidade ia transformando-se em desconfiança.
Não excluí a tal mensagem, li-a. Para minha surpresa, na verdade, decepção, descobri que minha adorável esposa tinha um caso extraconjugal.
Excluí então a mensagem e deixei o notebook dela como ele estava, tomei um banho e fui trabalhar. Nem mesmo tomei café.
Não conseguia parar de pensar naquilo, traição é a pior de todas as coisas ruins que o homem inventou. Tudo piorou quando eu recebi um telefonema da traidora. Aquela bastarda queria saber por que eu saí de casa sem me despedir. Logo ela, que era o próprio motivo.
Os dias iam passando e meu ódio aumentando, mas não dizia nada à ela. Dificilmente falava com ela, nem mesmo olhava na cara dela mais. Para minha sorte, o meu trabalho me ocupava muito tempo, tempo que eu passava longe dela.
Porém, fui liberado mais cedo um dia. Ao chegar em casa vi minha mulher conversando com alguém pelo telefone, mas ela deu logo um jeito de desligar, deveria estar falando com o outro, eu pensei, marcando um novo encontro.
Passei por ela sem dizer uma palavra, fui direto para a cozinha, peguei uma faca e sem ela perceber, fui me aproximando. Ela estava olhando para o pôr-do-sol pela janela que dava para o quintal de minha casa. Eu estava disposto a matá-la.
Quando fiquei exatamente atrás dela, levantei a faca para golpeá-la, a lâmina da faca refletiu para os meus olhos o brilho do sol, e fechando-os, cravei a faca em minha mulher.
No mesmo instante senti um misto de prazer e remorso, porém o prazer era maior. Mas estaria mentindo se dissesse que ver minha mulher sangrando até a morte não me abalou, me abalou não por ter sido algo cruel, mas sim porque eu sabia que iriam sentir falta dela. Comecei a pensar em algo.
A sensatez já havia ido embora faz tempo, limpei tudo elevei o corpo dela para o quintal. Comecei a cavar um buraco para enterrá-la.
Já era quase manhã quando terminei, o buraco devia ter um metro e meio de altura por um metro e meio de largura e um metro e meio de comprimento.
Após tê-la enterrado fui tomar um banho; Conforme minha cabeça ia esfriando eu ia tomando conta do que acabara de ter feito, mas mesmo assim o remorso não superava o prazer naquilo ter feito. Continuei minha vida normalmente, preparei o café e fui checar meus emails.
A caminho do trabalho passei por uma loja que vende mudas de árvores, lembrei que o terreno do quintal havia ficado um tanto quanto suspeito e decidi comprar alguma planta para plantar no lugar onde enterrei o corpo.
Com um sorriso demoníaco no rosto lembrei-me que minha esposa sempre quis ter uma roseira, de rosas vermelhas, no nosso quintal, por que não dar uma para ela agora? Eu pensei.
Entrei na loja e pedi uma roseira vermelha, porém só havia roseiras brancas no momento. Comprei assim mesmo, contrariando minha mulher até depois de morta. Meu prazer só aumentava.
Saindo da loja, fui caminhando na direção do meu carro, até que em um determinado instante, o vidro espelhado do carro, que minha mulher tanto insistiu para que eu colocasse, refletiu a luz do sol para meus olhos. Fiquei um pouco desnorteado na hora, parado com os olhos fechados, mas coisa de um segundo, dois no máximo.
Quando abri os olhos, vi estirado no chão o corpo de minha mulher. Fechei novamente os olhos e os esfreguei, ao abri-los de novo vi que nada havia à minha frente, exceto meu carro, claro.
Voltei para casa com a muda de roseira. Liguei para meu patrão e avisei-o que não iria poder trabalhar. Levei a roseira para o quintal e a plantei no lugar onde havia enterrado minha mulher. Coloquei uma cerca de madeira em volta dela e fui descansar um pouco.
Fiquei pensando em uma história convincente para contar sobre o sumiço de minha mulher. Até bolei um bom plano.
Liguei novamente para meu patrão e pedi-lhe para tirar férias, pois minha esposa acabara de contar-me que estava grávida. Ele caiu como um patinho e me deixou tirar férias. Porém aquela história que havia acabado de inventar me deixou com um pouco de remorso, eu já não sentia o mesmo prazer que senti antes.
Fui dormir para tentar vencer o remorso, mas isso só me fez piorar, pois sonhei a noite toda comigo matando minha esposa, das mais diversas maneiras. E em todas, sempre algo refletia para os meus olhos a luz do sol. Um pouco antes de eu acordar, sonhei que me via deitado na minha cama, tendo um pesadelo, vi também minha mulher entrar no quarto com um ramalhete de rosas brancas, e depois colocá-lo em cima de meu criado-mudo, enquanto dizia:
- Logo irão descobrir o que você fez, e os sinais para isso eu mesma darei.
Quando acordei, assustado e confuso, olhei para meu criado-mudo... Ufa! Não havia sequer uma rosa lá.
O sol já havia nascido, mas nenhuma idéia que explicasse o sumiço de minha mulher vinha à minha mente. Caminhava por toda a casa pensativo, e quando cheguei ao quintal tive uma grande surpresa: Aquela pequena muda que eu havia plantado no dia anterior se tornara uma bela roseira, e estava repleta de rosas brancas e lindas.
Aquilo foi no mínimo esquisito, porém eu acreditava que deveria haver uma explicação lógica para aquilo. Fui até a roseira e colhi todas as rosas, antes que elas murchassem e deixassem a roseira com um aspecto desagradável.
Depois de colher todas fui de volta para dentro de casa. À medida que me aproximava do meu quarto ouvia um som cada vez mais alto, era meu celular tocando. Entrei no quarto e o vi em cima do criado-mudo, quando o peguei vi que quem ligava era a mãe de minha esposa. Desesperei-me. Deixei as rosas em cima do criado-mudo e joguei meu celular contra a parede, quebrando-o em pedaços.
Fiquei tão nervoso na hora que nem percebi que havia deixado um ramalhete de rosas brancas sobre meu criado-mudo, do mesmo jeito que minha mulher havia feito no meu sonho.
Meus sogros já estavam procurando por minha esposa, o que era óbvio que mais cedo ou mais tarde iria acontecer, então já era hora de bolar uma história bem convincente para o sumiço dela. Porém isso não era nada fácil.
As horas iam passando, mas nenhuma idéia. O medo de descobrirem o que eu fiz aumentou quando meus sogros vieram visitar minha esposa. Fingi que não havia ninguém em casa, porém sabia que isto só iria piorar tudo, logo eles voltariam com a polícia, eu pensei.
Perto de anoitecer fui até o quintal, porém era melhor eu não ter ido até lá. O que eu vi foi assustador, a roseira estava pingando sangue por onde eu havia tirado as rosas. Na verdade, nem sei se era sangue, era um líquido vermelho, mas não tive coragem de analisá-lo.
Fiquei tentando encontrar uma lógica para aquilo também, “a raiz da roseira está sugando o sangue de minha esposa”, eu pensava. Mas não tinha muita fé nisso. O lado sobrenatural ia tentando vencer a razão, e uma parte de mim dizia que era o fantasma de minha esposa me atormentando. Porém, eu também não tinha fé nisso.
Fui deitar-me. Tentar dormir, pensar. E dormi, porém não foi muito agradável. Tive pesadelos durante toda a noite, sempre com minha esposa. Mas dessa vez eu não a matava, ela apenas me perseguia, na forma de um fantasma, que repetia: “O meu sangue te delatará, e por mim fará justiça.”
Acordei assustado, e lembrei que a roseira estava pingando sangue. Seria aquilo uma obra fantasmagórica? Minha esposa estaria me atormentando do além? Eu estava enlouquecendo. Tentando encontrar respostas, mas ao mesmo tempo, com medo de achá-las.
Levantei da cama e vi, em cima de meu criado-mudo, uma poça de sangue, no lugar onde antes estavam as rosas brancas que eu havia colhido. Limpei tudo. A perspectiva sobrenatural do caso aflorava, literalmente.
Corri até o quintal para ver se a roseira ainda estava sangrando, porém, para me deixar mais assustado, ela estava repleta de rosas vermelhas!
Colhi-as todas. E coloquei-as num vaso, para se, de algum modo, elas viessem a se tornar sangue também, ele seria armazenado no vaso sem causar muita sujeira, e o pus em cima de meu criado-mudo também.
Estava completamente perdido e sem ânimo algum. Passava-me pela cabeça tirar minha própria vida até.
Quando, sentado no sofá da sala, ouvi batidas na minha porta, e gritos também:
- Há alguém em casa? Respondam se houver. É a polícia!
Meus sogros chamaram a polícia, eu pensei. Desesperei-me. Corri para dentro do banheiro e tranquei-me. Para simular que fui preso lá dentro por alguém, engoli a chave.
Aquela situação extrema me deu uma idéia, simular um assalto seguindo de um possível seqüestro, possível, pois eu ali trancado não iria saber o que ocorreu à minha esposa. Era perfeito!
De dentro do banheiro eu ia ouvindo a movimentação dos policiais, embora quase não desse para ouvir o que eles gritavam, ouvi o som da porta sendo arrombada. Comecei a fazer minha parte:
- Socorro! Alguém me ajude! Socorro!
Em segundos os policiais me encontraram trancado no banheiro, eram dois os policiais.
Como a preocupação não deixava que eu me alimentasse, eu parecia realmente fraco, estava abatido de verdade, o que contou muitos pontos para minha história. Contei-lhes que no dia anterior, pouco depois de eu acordar, dois homens encapuzados invadiram minha casa e fizeram eu e minha mulher de reféns, exigindo todo o dinheiro que tivéssemos em casa. E que quando me trancaram no banheiro mandaram que eu não gritasse, pois eles levariam minha mulher com eles, e caso a polícia fosse avisada, eles a matariam.
Foi brilhante!
Em poucos minutos meus sogros chegaram à minha casa também e a história foi-lhes repassada. Estava tudo correndo como o planejado, planejado às pressas eu confesso, mas estava dando certo.
Porém, uma coisa chamou a atenção de um dos policiais, uma coisa que também havia me chamado atenção. As rosas vermelhas no vaso sobre meu criado-mudo.
- Quem trouxe essas rosas para seu quarto, senhor? – O policial me perguntou.
- Fui eu, senhor. As colhi ontem de minha roseira e trouxe-as para minha esposa, pouco antes dos assaltantes entrarem. – Eu respondi.
Fingi ficar emocionado, prendendo um choro engasgado, para tentar tirar a atenção de sobre a roseira. Porém o policial continuou:
- Mas essas rosas não parecem que foram colhidas ontem, estão muito bem conservadas, e nem mesmo há água no vaso. Sem contar que não vi nenhuma roseira na sua entrada, onde ela fica?
- No quintal. –Eu respondi. – Venham comigo e eu os mostrarei.
Levei os dois policiais e meus sogros até o quintal para mostrar-lhes a roseira. E, quando chegamos lá, tive outra estranha surpresa, a roseira já estava novamente repleta de rosas, mas dessa vez rosas brancas. Fiquei tão perplexo que, para mim, elas pareciam até estar sangrando. Se é que não estavam, eu não sei.
O policial, que havia achado as rosas vermelhas no meu quarto, ficou um pouco desconfiado. Ele olhava fixamente para o terreno onde a roseira havia sido plantada. Não precisava ser um detetive profissional para perceber que a areia ali estava mais fofa que a do resto do quintal, como se o terreno tivesse sido cavado a pouco tempo.
Ele começou então a andar em direção à roseira. À medida que dela ele se aproximava eu suava cada vez mais frio, vendo seus pés afundarem um pouco na areia fofa. Mas mesmo assim continuei firme no papel que eu havia assumido, de vítima.
Então, com um tom de acusação, o policial me perguntou:
- Você não disse que havia colhido as rosas de sua roseira?
- Eu as colhi sim, senhor. – Eu respondi.
- Mas as rosas que estão em seu quarto são vermelhas, e essas brancas.
Fiquei sem palavras. E tudo piorou quando vi o policial pisar com força no chão perto da roseira. Ficou claro para todos que ali estavam que aquele pedaço de terra foi cavado há pouco tempo. Eu estava em um beco sem saída.
Aquele policial, que até então estava de costas para mim, se virando para ficar de frente para mim, perguntou:
- Quando o senhor plantou esta roseira?
No que ele foi se virando, o seu distintivo refletiu para os meus olhos a luz do sol, e fechando-os eu ajoelhei-me e gritei chorando:
- Eu a matei, eu confesso! Cavem sob esta roseira e vocês a acharão! Mas por favor, levem-me para um lugar onde a luz do sol não possa chegar aos meus olhos, e onde o fantasma de minha mulher não possa me atormentar!