sexta-feira, 13 de maio de 2011

Aprisionada

         Fazia aproximadamente seis meses que meu filho havia morrido, culpa de um trágico acidente. Confesso que passei por uma terrível depressão, foram momentos bem difíceis, até me afastaram do trabalho. Uma enfermeira depressiva pode ser bem perigosa, eles afirmavam.
          Mas enfim consegui dar a volta por cima, e cá estou eu, de volta ao trabalho. Fui transferida para a ala psiquiátrica. Nossa, é triste ver todas aquelas pessoas “viverem” em um mundo que não existe. Mas é bom poder ajudá-las, mesmo sabendo que seria melhor se elas não precisassem de ajuda.
          Relacionar-se com pessoas insanas pode ser bem perigoso, na primeira semana de trabalho duas enfermeiras foram agredidas. É um trabalho duro, mas que deve ser feito, pois aquelas pessoas precisam de ajuda, e não podem ser soltas no mundo. Há até um no hospital que está internado lá por matar toda a família, mas esse as enfermeiras não podem nem chegar perto, ele é uma “bomba-relógio”, que fica na ala de segurança máxima.
         Dizer que minha vida voltou ao normal seria mentira. Ainda sinto muito a perda do meu filho, mas a vida deve continuar, pelo menos isso espero. Estou tentando fazer a vida nova dar certo, manter uma rotina, regras, tentar viver “normalmente”, embora dentro de um hospício oito horas por dia.
          Num belo dia, chegando ao hospital psiquiátrico onde trabalho, vi alguns carros da polícia parados em frente, e uma ambulância que não pertencem àquele hospital. Fiquei preocupada, me aproximei e ouvi o que havia acontecido, parece que alguém matou um dos internos, mas ainda não se sabe quem e nem o porquê.
          As suspeitas caíram sobre o interno que assassinou a família, o levaram para interrogá-lo.
          Mesmo tendo acontecido uma tragédia, não tivemos folga, pior, tivemos mais trabalho. Tentar acalmar loucos eufóricos e assustados não é nada fácil. E a sujeira no quarto da vítima... Nossa, pobre Sr. Lopes, em pensar que eu fui a última pessoa a vê-lo vivo e sorridente. Parece que seus olhos foram arrancados. Eram belos olhos, azuis, o que me fez lembrar meu filho, que também tinha lindos olhos azuis.
          Os dias foram passando, e o louco que havia matado a sua família ainda não havia sido liberado pela polícia, que acreditava fielmente que ele era o assassino do hospício. Mas como as provas não apareceram, ele foi liberado, e voltou para o sua “cela”.
          Isso aconteceu na mesma semana que uma nova interna chegou, era uma mulher que sofria de depressão, poucos dados sobre ela me foram revelados, ela pertencia à outra ala, ficava na mesma que o assassino. Não entendia o porquê que ela era considerada tão perigosa.
          As investigações sobre o recente assassinato continuavam, e a nova interna parecia agir de uma maneira mais estranha à medida que as investigações avançavam pouco a pouco. Eu não via uma relação entre os dois fatos, mas me parecia um tanto quanto estranho.
          Passei a observá-la, tentar entender suas obsessões, mas ela era muito fechada, parecia viver num mundo apenas dela, presa em si mesma.
          Acho que a presença da polícia no hospício não ajudava muito, nos trazia um ar de segurança, mas instigava uma coisa ruim nos internos. Eles pareciam ficar bem assustados com a presença dos oficiais. O que tornava meu trabalho bem mais complicado. Pedi então para minha chefe contratar uma nova enfermeira, ou auxiliar, que já seria de uma grande ajuda.
          A nova enfermeira era bem bonita, bem alva dos cabelos castanhos, parecia uma boneca de porcelana. Como ela era nova ali, deixei que ficasse no meu lugar, e pedi transferência para ala de segurança máxima. Desse modo poderia ver como andavam as investigações e ainda observar os hábitos da nova interna, que tanto me chamou atenção, mesmo não sabendo o porquê.
          Meses passaram e nada do caso ser resolvido, dificilmente havia a presença de policiais no hospício agora. Mas mesmo assim, a situação parecia bem mais sobre controle assim.
          Numa das noites que se seguiram, ouvi um grito vindo da ala de segurança máxima, todos os funcionários correram para ver o que havia acontecido. Os gritos continuavam, e aumentavam a mediada que chegávamos perto do quarto da nova interna, agora não mais tão nova assim, pois ela já estava aqui há alguns meses.
          De repente os gritos pararam, não sabíamos se era uma boa ou má notícia, mas continuamos correndo, e invadimos o quarto da interna. Ela estava banhada em sangue, com uma faca na mão, e a nova enfermeira, a “bonequinha de porcelana”, estava estirada no chão, sem o escalpo, havia sangue para tudo que era lado, uma cena horrível... Eu desmaiei.
          Acordei aqui nessa sala, senhor Delegado, ainda não sei muito bem o que aconteceu, mas espero que vocês tenham prendido tal mulher.
          Depois que disse tudo aquilo, vi a nova interna entrar na sala, que parecia ser uma sala de interrogatórios, ela estava com a roupa toda suja de sangue e com uma faca na mão.
          - Cuidado, Delegado. Atrás do senhor!!!
          - Já chega dessa história, moça. – Disse o delegado. – Entendo que você passou por um trauma, mas isso não justifica os seus crimes, nenhum deles.
          - Cuidado! Ela vai lhe matar!!
          - Já chega, Dona!- Exclamou o delegado. - Não existe essa tal “nova interna”, na verdade a nova interna é você. E farei de tudo para lhe trancafiar para sempre.
          Olhei para frente e vi a imagem da “nova interna” sumir, reparei nas minhas roupas e vi que elas estavam sujas de sangue, fui aos poucos tomando consciência do que eu havia feito. Eu não superei a depressão, e nem superaria, pois a morte de meu filho não foi um acidente, eu o matei. Confundi-me comigo mesma, e depois de pensar um pouco, levantei a cabeça e disse:
          - Certo, senhor Delegado, tente me prender, alegarão insanidade, como já foi feito antes, no máximo voltarei para o hospício de onde saí, e você não poderá me deter por lá.